A Garota que Conquistou o Tempo | Viva sem arrependimentos

Lançado em 2006, Toki wo Kakeru Shoujo é um remake de um romance de 1967 escrito por Tsutsui Yasutaka. Aqui, dirigido por Mamoru Hosoda (Wolf Children, Summer Wars, Bakemoto no Ko) e feito pelo estúdio Madhouse (Death Note, Hunter x Hunter, One Punch Man), a história se dispõe a abordar um assunto batido como a viagem no tempo, e de uma forma não muito inovadora ao usar diversos clichês durante esse processo, porém conseguindo entregar um resultado final digno de reflexão.
No filme nos é apresentada a rotina de Konno Makoto, que se considera uma garota de muita sorte mas que está tendo um dia ruim, daqueles em que nada dá certo. É tipo quando você chega atrasado para uma entrevista de emprego por perder o ônibus e ensopado por conta de uma chuva inesperada. Pois bem, Indo para casa depois desse dia frustrante, os freios de sua bicicleta param de funcionar quando ela está prestes a chegar a um cruzamento de uma linha férrea, num trágico acidente que seria fatal. Porém, ao chegar no exato momento de ser atropelada pelo trem, ela misteriosamente volta no tempo e escapa com vida, e é a partir desse ponto que o filme começa a se desenvolver.
Um dos pontos positivos do filme é o de como ele não tem muitos rodeios para contar a história que se propõe a contar. Ele apresenta o argumento da história, o ambiente em que ela se passa, todos os detalhes de uma maneira muito dinâmica e natural, sem perder tempo com coisas triviais que não vão acrescentar quase nada para a narrativa. Vemos pouca informação sendo apresentada ao público, com poucos personagens e um cenário limitado, fazendo que o autor possa aproveitar o máximo a duração do filme para focar na história que ele quer contar, sem perder tempo com longos monólogos expositivos ou determinadas situações que serviriam apenas para explicar o cerne da obra.
Esse começo é bem dentro do esperado, onde vemos a Makoto entendendo como fazer a viagem no tempo funcionar e usando para as coisas mais banais possíveis mas que são incríveis para uma adolescente, como ser sempre pontual na escola, repetir várias vezes a mesma ida ao karaokê ou voltar quantas vezes quisesse para aquele jantar feito da sua comida favorita. Durante essas idas e vindas no tempo, nós conhecemos mais sobre o núcleo de personagens da obra, focando principalmente em seus dois amigos Kousuke e Chiaki, além da Makoto, claro. Num primeiro momento, vemos como eles apenas deixam com que o tempo os leve dia após dia, sem ter um objetivo de vida, apenas vivendo o momento e fazendo o que tem ser feito nas suas rotinas, e o filme transmite muito bem esse ambiente de incerteza que a juventude traz, a posição em que todos nós nos encontramos um dia de, ao mesmo tempo que podemos fazer tudo, não sabemos muito bem para onde estamos indo e qual caminho seguir, muitas vezes passando por situações difíceis que exigem uma escolha firme, mas que na verdade nós só queremos fugir desse tipo de situação.
E é aí que a história nos mostra o que aconteceria se vivêssemos apenas fugindo desses momentos difíceis, quando vemos a Makoto mudando ainda mais os eventos a sua volta que a incomodavam, desde situações constrangedoras na escola, chegando até a interferir em questões sentimentais dos seus amigos e até mesmo de si própria. Mais uma vez, a obra estabelece muito bem seus personagens e o que é esperado deles mostrando que, por ela ser uma adolescente, ela acaba metendo os pés pelas mãos e criando novos e complexos problemas ao resolver os conflitos iniciais. Logo, os eventos ruins que aconteceriam com ela acontecem com os outros ao seu redor, por não saber resolver seus problemas de uma maneira melhor ou então, por simplesmente não conseguir aceitá-los e seguir em frente.

A única coisa que eu não gostei aqui foi a forma como o filme foi conduzido na sua segunda metade. Ele não tem uma estrutura grandiosa e primorosamente bem dirigida, e nem precisa ter por ser bem leve durante boa parte da obra, mas esse suposto clímax, de quando descobrimos o porque das viagens no tempo e o que as motivaram, essa parte não me comprou. Não foi algo bem desenvolvido, de repente o Chiaki era um viajante temporal porque tinha que ser, o autor não soube dar uma justificativa decente para aquela situação. Ele é apenas um rapaz que vive num futuro devastado, diferente de tudo que conhecemos, e que quis voltar ao passado para ver um quadro que na sua época não existe mais.
Porque?
Porque o autor quis, ora bolas!
Então, coincidentemente, ele decide ficar nesse passado depois de vivenciar pela primeira vez várias coisas que na sua época não existem mais. Mas ele já não veio sabendo que iria encontrar tudo isso? A motivação não era ver o quadro?
Essa situação acabou me afastando um pouco do que deveria ser o ponto alto do filme, que é o romance da Makoto e do Chiaki, então é algo que poderia ser melhor trabalhado, o personagem ficou muito jogado em relação ao resto do filme que é muito bem feito.
De todos esses pontos, o melhor é o diálogo dos personagens e a forma como tudo parece ser tão real. Quem assiste bastante anime já está acostumado a ver os mesmos terem um jeito próprio de se falar, nem muito normal, mas que também não chega a ser algo super caricato, sempre ali no meio termo. Aqui é como se estivéssemos vendo situações do nosso dia a dia, os personagens conversam como pessoas de verdade, destacando bastante suas personalidades, suas vontades, seu medos e seus trejeitos sem a necessidade de diálogos e situações exageradas ou claramente artificiais, aquele tipo de coisa que você olha e pensa que só acontecem em anime. Isso ajuda a aproximar o público dos personagens e faz com que nos coloquemos em seus lugares em determinadas situações importantes da história.

De maneira geral, é um bom filme. Além da história e dos personagens, o trabalho do estúdio Madhouse combinou com o clima da obra, trazendo uma animação leve e fluída contrastando com os lindos cenários realistas que o filme retrata. A trilha sonora que não é lá essas coisas, é meio genérica e não tem nada exatamente marcante, porém não compromete a experiência.
A história tem um final incerto, Chiaki retorna para o futuro com a promessa de que ele e Makoto se encontrarão novamente e ficarão juntos, mas a descrição dele de como é o futuro nos leva a crer que isso é pouco provável. O nível de devastação daquele tempo é grande demais para ser um futuro próximo, mas sim um momento muito, muito distante, transformando esse final aparentemente esperançoso em algo melancólico, embora eu ache que no fundo a Makoto já tivesse noção de que essa era uma barreira intransponível, o que se encaixa na mensagem que o filme passa, de lidar com o que acontece na nossa vida da melhor forma que pudermos.
E no fim das contas o que importa aqui é isso, a ideia que inclusive a tia da Makoto (que é a protagonista do livro original) transmite para a sobrinha, de que devemos aproveitar as coisas boas ao máximo e lidar com as ruins do jeito que for possível, porque o tempo está aí, sempre correndo. E é uma corrida muito injusta, que nunca poderemos vencer, mas que podemos aprender com ela, desfrutar da melhor forma cada passo até alcançar a linha de chegada, sem arrependimentos e sendo felizes com o caminho que construímos.